Respostas aos incêndios de 2017 tardam em ir para o terreno, alertam zero e centro pinus

Programa de Transformação da Paisagem: Expetativas e urgência de medidas no terreno tardam por inadequação de recursos e falta de empenho governamental

Passados cinco anos sobre os grandes incêndios de 2017 e, de dois anos sobre a criação do Programa de Transformação da Paisagem, dirigido a territórios de floresta com elevada perigosidade de incêndio, os quais englobam 3,3 milhões de hectares, começa a ser cada vez mais evidente que a chegada de ações ao terreno tem-se revelado difícil. Esta situação suscita      dúvidas se a política pública, para além da que consta dos discursos políticos, possui os recursos financeiros adequados para tentar solucionar o flagelo dos fogos.

É neste contexto e na sequência da realização do Webinar “Programa de Transformação da Paisagem”, realizado no dia 15 de setembro que, o Centro PINUS e a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, se posicionam para exigir mais empenho e articulação governamental para que hajam recursos financeiros adequados ao minifúndio, mais ação no terreno e menos incerteza quanto ao futuro das políticas em curso.

Pese embora tenham sido anunciadas medidas importantes, como a alocação de 260 milhões de euros do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), essencialmente destinados à implementação de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), e a abertura de avisos com dotação exclusiva para certas regiões, a política pública começa a mostrar uma gritante ausência de soluções para os territórios que não estão integrados nestas iniciativas. É que as AIGP, no seu conjunto, representam apenas cerca de 140 mil hectares e 5% da área total dos territórios vulneráveis. Por outro lado, há incertezas quanto à continuidade dos investimentos realizados com o PRR, após 2025.

Verbas da nova Política Agrícola Comum não chegam à floresta em minifúndio

Uma das causas do abandono dos territórios é a forma como o financiamento público, nomeadamente a Política Agrícola Comum (PAC), é distribuído regionalmente. Simplificando, essas verbas são sobretudo dirigidas para regiões onde não há incêndios e não chegam onde os há.

Neste sentido, não é por acaso que na preparação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), recentemente aprovado, tenha sido lamentável a falta de coordenação política entre os Ministérios que tutelam a agricultura e a floresta.

Apesar do então ministro João Pedro Matos Fernandes exigir publicamente uma verba de 1500 milhões de euros e da Comissão Europeia ter criticado a falta de ambição na prevenção de incêndios, a versão aprovada mantém aproximadamente a dotação anual para a floresta, num cenário em que esta deveria ter sido reforçada. Igualmente grave, é que o mesmo foi concebido de uma forma que, mesmo com anúncios regionais, previsivelmente continuará a deixar para trás as regiões de minifúndio, onde o problema dos fogos rurais se verifica com mais acuidade.

Para os que, naturalmente, desconhecem as complexidades da PAC, o Centro PINUS e a ZERO, partilham um exemplo ilustrativo: um proprietário de montado ou de pinheiro manso recebe uma ajuda anual que o obriga a retirar o mato onde ele pouco cresce; um proprietário de pinhal-bravo ou carvalhal não recebe qualquer ajuda para gerir o mato onde este cresce em abundância. Ambos os proprietários estão sujeitos a multas na ausência de gestão do mato.

Possivelmente consciente deste problema, este Governo anunciou o designado Vale Floresta que deve ser implementado com a maior urgência e com uma dotação ambiciosa.

Mas há outra medida anunciada pelo Governo que tem tardado: a designada remuneração dos serviços do ecossistema, ou seja, um mecanismo que incentive e compense o proprietário a instalar espécies menos inflamáveis (que têm sempre um ciclo de produção longo). Ainda não há proprietários a receber este pagamento e, mesmo nas áreas integradas no ambicioso Programa de Transformação da Paisagem, que serão o “batalhão da frente” nesta mudança, ainda são desconhecidos os valores que irão receber e qual a disponibilidade financeira futura do Fundo Ambiental para suportar adequadamente o desafio.

A gestão agregada é um caminho longo e lento, mas incontornável. A ação no terreno e a gestão efetiva do território não podem esperar tanto.

Programa de Transformação da Paisagem, uma oportunidade única

O Centro PINUS e a ZERO apoiam inequivocamente a implementação do Programa de Transformação da Paisagem, uma oportunidade única para investir na gestão agregada, envolvendo os atores locais com grande autonomia e responsabilidade para implementar soluções que mudem a vulnerabilidade aos incêndios criando riqueza, mas as dúvidas que se levantam em relação ao empenho do Governo no seu conjunto são muitas.

Ainda assim, é muito importante que todos nos empenhemos no sucesso desta iniciativa e apelamos a todos os proprietários e entidades abrangidos pelas Áreas Integradas de Constituição da Paisagem em constituição (visualizáveis aqui) que adiram e colaborem com as entidades gestoras.

Webinar “Programa de Transformação da Paisagem” que decorreu a 15 de setembro de 2022, enquadra-se no Projeto ForestWatch, promovido pela ZERO em parceria com o Centro PINUS que tem como objetivo monitorizar políticas florestais públicas.

 O projeto ForestWatch conta com o apoio do Programa Cidadãos Ativ@s, financiado pela Islândia, Liechtenstein e Noruega, sendo gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

 As informações e pontos de vista apresentados neste comunicado são os dos autores e não refletem necessariamente a opinião oficial dos financiadores.